Em tempos bicudos, a Política em movimento - Política - Hold Assessoria

Em tempos bicudos, a Política em movimento

Na política, é lugar comum a afirmação de que o ano se inicia somente após o Carnaval. Os eventos dos últimos dias, que envolveram os três Poderes, subverteram essa realidade. 2025 já está em campo.

. Ao denunciar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 33 pessoas pela suposta trama golpista, a Procuradoria-Geral da República (PGR) dividiu os fatos em cinco diferentes peças acusatórias, o chamado "fatiamento" da denúncia. A opção pela divisão da acusação em diferentes núcleos faz parte de uma estratégia adotada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, na tentativa de facilitar a condução dos processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, as defesas têm prazo de quinze dias para se manifestar. Com o fatiamento da denúncia, a expectativa no STF é que ao menos até o final do ano o julgamento envolvendo Bolsonaro pela Primeira Turma da Corte seja concluído, evitando que o caso siga para 2026, ano eleitoral.

. Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens de Jair Bolsonaro, foi protagonista da cena política em dois momentos distintos na semana. Na quarta-feira, 19 de fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes quebrou o sigilo do acordo de delação premiada do tenente-coronel. No dia seguinte, foram divulgados áudios e vídeos dos depoimentos de Cid, que reforçaram as denúncias contra Bolsonaro e aliados. Chamou a atenção, em especial, a postura do militar - bastante à vontade, não parecia estar sendo pressionado ou acuado pelos interrogadores, como amplamente divulgado por parlamentares mais radicalizados. Mais uma má notícia para o ex-presidente e seu grupo político.

. O presidente Lula se manifestou de imediato com relação à denúncia da PGR. Ele defendeu o direito à ampla defesa mas afirmou que, se forem considerados culpados, “terão que pagar pelo erro que cometeram”. Indo além, o titular do Planalto disse que “pedir anistia antes do julgamento é se declarar culpado”, em uma clara referência a Bolsonaro. Na verdade, esse é um terreno pantanoso e seria de bom tom o petista se manter afastado do debate, sob risco do caso, de algum modo, respingar sobre a atual gestão.

. Uma consequência imediata da ação da PGR foi a desidratação, ao menos por ora, dos movimentos para aprovação do projeto de anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. O próprio presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos/PB), que havia sinalizado a possibilidade de incluir a matéria na pauta da Casa, avalia que ela seria derrotada em plenário hoje. Por sua vez, o presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União/AP), afirmou categoricamente que não discutirá e nem pautará esse projeto, pois não é um assunto prioritário para a população brasileira. Políticos próximos a Motta e Alcolumbre concordam com essas leituras. Derrota para Bolsonaro e seus aliados, que jogavam todas as fichas no sucesso da proposição.

. Em esforço coletivo, o Senado Federal aprovou o projeto de lei complementar que restabelece a execução de recursos ainda não pagos desde 2019, inclusive emendas parlamentares bloqueadas pelo STF. O projeto é de Randolfe Rodrigues (PT/AP), líder do governo no Congresso Nacional, e a relatoria de Carlos Portinho (PL/RJ), líder de seu partido na Casa, o que claramente indica um entendimento entre as partes. Em linhas gerais, o texto propõe que os restos a pagar a partir de 2019 poderão ser executados até o final de 2026, inclusive os que estavam vigentes e foram cancelados em 31 de dezembro de 2024. A matéria se opõe a um veto de Lula na LDO de 2025. Vitória do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), defensor da liberação das emendas.

. Dias atrás, o STF formou maioria de votos para entender que a Corte poderá voltar a julgar a aplicação da Lei de Anistia, de 1979. Agora, o ministro Edson Fachin aceitou a tramitação de dois processos que tratam da responsabilidade de ex-agentes estatais por crime cometidos durante a ditadura militar. Desse modo, poderão voltar a ser julgadas denúncias contra militares como o já falecido coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que haviam sido anteriormente rejeitadas. Mais lenha na fogueira da polarização?

. No quesito inflação, o vilão do momento é o ovo, que tem registrado altas expressivas nas últimas semanas. Alimento largamente consumido pela população e que substitui outras proteínas como carne vermelha e frango, o ovo aumentou de preço por diferentes fatores, entre eles os custos do milho (ração), o calor e a demanda aquecida. Ciente dos impactos políticos desse quadro, o próprio presidente da República considerou os preços “absurdos” e afirmou que cobrará de empresários que o produto não falte no Brasil. Interferência excessiva do governo?

. O ministério da Fazenda determinou a suspensão das novas contratações de financiamentos rurais do Plano Safra 2024/2025, por conta do atraso na aprovação do Orçamento de 2025, o que impede a execução de algumas políticas públicas. O projeto deveria ter sido aprovado em dezembro, mas a previsão é que só seja analisado em março, logo após o Carnaval. A medida entra em vigor a partir dessa sexta-feira, 21 de fevereiro, e permanecerá válida até nova deliberação. A única exceção são as linhas de financiamento do Pronaf Custeio, conforme previsto na Portaria MF nº 1.138, de 10 de julho de 2024.

. A aproximação entre o republicano Donald Trump e o czar russo Vladimir Putin incomodou o mundo, em especial os europeus, que buscam retomar o velho protagonismo. De um lado, Estados Unidos e Rússia encaminham o final da guerra na Ucrânia via capitulação de Kiev e sem a participação daquele país, o que é inaceitável para as lideranças do continente. De outro, norte-americanos e russos estreitam laços comerciais e tecnológicos, algo impensável tempos atrás. Para muitos, o mundo está cada vez mais perigoso.

Em suma, 2025 definitivamente é a antessala de 2026, o ano da sucessão presidencial. A evolução dos fatos, ao longo dos próximos meses, ditará os rumos do ciclo político que está prestes a se iniciar.

André Pereira César

Cientista Político

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