A informação de que nos primeiros três meses da administração Lula (PT) em 2023, ainda estava em execução, via Agência Brasileira de Inteligência (Abin), uma ação hacker contra autoridades paraguaias mostra que governos de diferentes matizes ideológicos se utilizam de métodos similares para obter informações. Métodos nem sempre “republicanos”, diga-se.
Aos fatos. Segundo a imprensa, o governo brasileiro teria invadido computadores para obter informações sigilosas sobre a negociação de tarifas da hidrelétrica de Itaipu, das qual os dois países são sócios e há tempos é objeto de disputa comercial. Questão bastante complexa e politicamente delicada.
A ação, ressalte-se, foi gestada e teve início em junho de 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Ela remete a outros casos recentes. Inevitavelmente vem à memória a espionagem do então presidente dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama, sobre diversos chefes de governo e de Estado, como a ex-primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), e o advento da chamada “Abin paralela” de Bolsonaro. Como se vê, pouco importa a coloração política do governo de plantão.
A administração Lula, é claro, de imediato soltou nota afirmando que a operação foi autorizada e que teve início no governo anterior e que foi “tornada sem efeito pelo diretor interino da Abin em 27 de março de 2023”. Explicação que não diminui o mal-estar. A Polícia Federal precisa agora investigar e se pronunciar sobre o caráter da ação - o fato ocorreu mesmo e, em caso positivo, é legal ou ilegal?
Importante ressaltar que o Paraguai é estratégico para o Brasil, que tem grandes interesses e influência por lá. Na via inversa, os paraguaios dependem muito dos brasileiros, em diferentes frentes - econômica inclusive. Para além de Itaipu, há ainda a Ponte da Amizade e o Tratado de Assunção, que fortalecem laços políticos e diplomáticos.
O chanceler paraguaio Rubén Ramírez Lezcano, em nome do governo do Paraguai, em nota oficial, afirmou que não há evidência de que o Brasil tenha promovido ataques cibernéticos contra sistemas do país e que todas as informações administradas nas negociações internacionais estão resguardadas.
No caso específico da Abin, criada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), é importante observar que suas origens remetem ao extinto e sinistro Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos símbolos do regime militar que teve suas atividades encerradas na gestão Collor de Mello (PRN). A título de informação, os ex-presidentes Médici e Figueiredo foram diretores do órgão. Aqui, pode-se falar no bíblico “pecado original”.
O episódio atual reforça a percepção de que a Abin precisa ter sua atuação revisada. O atual modelo muitas vezes entre em choque com um regime plenamente democrático.
Para concluir, em tempos de pressão sobre a democracia, o Brasil e suas instituições não podem aceitar conviver com um serviço de inteligência que atue como hacker. A rigor, não há espaço para isso.
André Pereira César
Cientista Político