O novo embate entre o governo federal e setores mais conservadores do agronegócio colocou o presidente Lula (PT) temporariamente no corner e levou o Executivo a se mexer em caráter emergencial. Disso resultou a medida provisória recém-editada que abre crédito extra de R$ 4,1 bilhões para assegurar as contratações do Plano Safra de 2024/2025. Crise resolvida?
Aos fatos. A medida ocorre após a publicação de ofício do Tesouro Nacional que bloqueava novas contratações, com exceção das operações de custeio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), politicamente sensível e estratégica para o governo Lula.
A decisão do Tesouro, é claro, desagradou aos ruralistas, que buscaram negociar com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). O clima, que já não era bom entre as partes, azedou ainda mais, mas por ora um entendimento foi encaminhado. Resta saber se esse quadro se sustentará.
O argumento do Tesouro para sua decisão é que a taxa básica de juros (Selic) aumentou mais que o previsto na Lei Orçamentária Anual do último ano, além do atraso na votação do orçamento de 2025, que deverá ocorrer somente depois do Carnaval. Explicações técnicas que não convenceram os representantes do agro.
Cabe observar que a Lei Orçamentária de 2025, em discussão no Congresso Nacional, prevê cerca de R$ 14 bilhões para operações do setor. Esse planejamento havia sido feito antes do recente avanço da Selic. O agro calcula que o novo valor necessário seria de R$ 22 bilhões.
O movimento do governo vai muito além do técnico. O Executivo utiliza todos os meios legais disponíveis para movimentar as peças do xadrez político, inclusive com consulta ao Tribunal de Contas da União para não incorrer na armadilha de um possível crime de responsabilidade. O relator do orçamento, senador Ângelo Coronel (PSD/BA), afirmou que o orçamento somente será votado após o destravamento das emendas parlamentares pela Suprema Corte.
O agro é importante ativo na balança comercial brasileira. Também é o detentor da maior, mais importante e poderosa frente parlamentar no Congresso Nacional. Ao suspender o plano safra sob alegações meramente técnicas, faz com que forças poderosas saiam da inércia e pensem na possibilidade de um acordo para votação do orçamento.
A questão do bloqueio temporário do Plano Safra teve ainda outra consequência. Os ruralistas cogitam da possibilidade de romper com o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, filiado ao PSD, partido do todo-poderoso Gilberto Kassab e que está ameaçado de perder o cargo na iminente reforma ministerial. Mais uma dor de cabeça para o Planalto, que já enfrenta problemas em diversos campos.
Enfim, caso o orçamento não seja votado em breve, a descontinuidade do Plano Safra pode se repetir em outros setores, aumentando o desgaste de um governo em queda de popularidade. O tempo corre.
André Pereira César
Cientista Político