O Brics em tempos de tarifaço - Economia - Hold Assessoria

O Brics em tempos de tarifaço

Dado o atual quadro global, a reunião de chanceleres do Brics, no Rio de Janeiro, é carregada de simbolismo extra. É fato que o tarifaço do republicano Donald Trump será um dos pontos de destaque dos debates e é altamente provável que uma nota a respeito seja divulgada durante o encontro. Até aí isso é ponto pacífico, mas resta observar se haverá consenso entre os integrantes do bloco.

Há interesses distintos em jogo. De um lado, a China continua a ser o principal alvo dos EUA e Pequim reclama que nenhuma contraproposta efetiva foi apresentada por Washington. A Rússia, em seu conflito na Ucrânia, já sofre há tempos sanções e não foi afetada pelas medidas recentes. África do Sul, por sua vez, tem sido duramente pressionada por Trump, enquanto a Índia tenta negociar acordos com o republicano, especialmente no setor de fármacos. O governo indiano, nesse momento, não deseja ruídos adicionais.

Nesse sentido, a posição do Brasil pode se tornar interessante. Ao mesmo tempo em que busca manter portas abertas com os EUA, o governo brasileiro pode tentar construir um documento que seja palatável para todo o bloco. Evidentemente não é tarefa fácil, mas a diplomacia de Brasília, com o ministro Mauro Vieira à frente, tem condições de realizar um trabalho positivo. O desafio está dado.

Outras questões estarão no cardápio. A defesa do multilateralismo e da democracia em todo o planeta será abordada, bem como questões como a crise climática. Aqui, o Brasil deverá propor o estabelecimento de um fundo ambiental - lembrando sempre que o país sediará a COP 30, no final do ano. Boa oportunidade para o governo ganhar espaço com o (complexo) tema.

Dois pontos delicados precisam ser anotados. Em primeiro lugar, os conflitos em curso pelo planeta, em especial o embate entre Israel e o Hamas em Gaza e, mais ainda, a invasão russa na Ucrânia. Moscou certamente não aceitará ser cobrada de forma mais efetiva por seus pares.

Um segundo ponto, igualmente complexo, diz respeito às alternativas ao dólar nas transações comerciais entre os países. A expectativa é grande com o avanço de propostas em torno da questão, mas ainda há muitos pontos nebulosos, que demandam intensa negociação. De todo modo, a hegemonia norte-americana é colocada em xeque.

Por fim, será interessante acompanhar o desempenho dos representantes dos novos integrantes do bloco. A composição do Brics sempre foi heterogênea, mas agora o desenho é ainda mais complicado. Como se dará o diálogo entre países com características tão diferentes, na economia, na política e na cultura? Trata-se de uma grande incógnita.

O chamado “Sul Global” trabalha para entrar mais e mais no grande jogo internacional. Apenas discursos firmes não resolvem os problemas gerais, mas chamar a atenção do planeta pode ser interessante. Atrair a Europa para os interesses do Brics, por exemplo, seria uma jogada inteligente. Um cenário de ganha-ganha é algo positivo.

André Pereira César
Cientista Político

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